MINDERICO
Sinopse
MINDERICO por ZULMIRA BENTO
Minderico é a variante linguística dos habitantes de Minde, cujo uso remonta a finais do séc. XVII ou princípios do séc. XVIII.
A vila de Minde dista quinze km de Fátima e integra o concelho de Alcanena, distrito de Santarém.
Na sua origem, o Minderico revestia a forma de socioleto usado apenas pelo grupo ligado ao fabrico e comercialização das mantas de Minde. Astuto, o comerciante terá ponderado as vantagens que um código secreto de linguagem traria aos seus negócios. Estes vendedores apresentavam-se em pequenos grupos nas feiras de Norte a Sul do país. No decorrer da transacção, travavam entre si um diálogo que ninguém mais entendia, sempre na mira de lucro folgado.
O carácter secreto representava a chave do sucesso.
Todavia, a partir de certa altura, quebraram-se as fronteiras do secretismo e este tipo de linguagem espraiou-se por todos os estratos sociais de Minde. Assim sendo, tornou-se necessário apetrechar o código inicial com novo vocabulário, de modo a contemplar todas as situações do dia a dia.
Foram vários os processos usados no alargamento lexical do Minderico, designadamente figuras de estilo, algumas das quais passo a referir.
Antroponímia: O nome da primeira pessoa a desempenhar um cargo ou profissão passava a designar a própria função.
Calado – farmacêutico
Engrácia – prostituta
Totta – médico.
Toponímia: O nome de determinada localidade passa a sinónimo do que lá se produz ou lá acontece.
Nazaré – banho
São João da Madeira – chapéu
Coimbra – vinte e três.
Metáfora: Faz-se a transposição do sentido de uma palavra para outra por semelhança, daí resultando acentuada expressividade.
Cinco pontas – lenço de assoar
Rodapé – bigode
Treme-terras – Deus.
Metonímia: Substituição de um termo por outro com o qual está em íntima relação.
Arraiolos, a de – lã
Celeireira – formiga
Sainona – homem amaricado
Ziguezague – cobra
Perífrase: Dizer em mais palavras o que pode ser dito em menos.
Jagodes com carutos – camelo (burro com bossas)
Soletra da doutrina – catecismo
Gradação: Disposição de palavras por ordem crescente ou decrescente.
Canteiro didi (pequeno) – freguesia
Canteiro – concelho
Canteiro ancho (grande) – distrito
Termos onomatopaicos: palavras imitativas que reproduzem sons.
Bate- bate – martelo
Pouca-terra – comboio
Tic-tac – coração
Referências de inspiração religiosa
Baden-Powell, o de – escuteiro
Chocalheiro – tremoço
Referências históricas, lendárias e literárias
Afonso Henriques – fundador
Camões, a do - pátria
Pregal da Joana – França
Xambel – telefone
Estrangeirismos
Palavras que o Minderico incorporou a partir de vocábulos estrangeiros.
Âmbria – fome (a partir do espanhol “hambre”).
Père/mère – pai/mãe (a partir do francês).
Naifa – faca (a partir do inglês “knife”).
Convido o leitor a apreciar a subtileza e a poesia dos seguintes vocábulos em Minderico:
A antes de o ser – pescada
Andarilho – automóvel
Bailadeira – nádega, saia, mosca
Bonzar-se - sacramentar-se
Cantista – cigarra
Choradeira – cebola
Deslizador – barco
Doida – mó
Filha da santinha – sopa
Madrinha do céu – lua
Manel das festas – domingo
Manhosa – raposa
Maria-dois – empregada doméstica
Pasmado – boi
Saltadora – pulga
Tira galfarros (piolhos) – pente
Zé azedo – vinagre.
Nota: Neste texto não foram observadas as normas do Novo Acordo Ortográfico.
PS: Sobre este assunto, o leitor interessado poderá consultar: BENTO, Zulmira, Aspectos Linguísticos da Freguesia de Minde, ed. Câmara Municipal de Alcanena, 2017.
Zulmira Bento