01
Jan2020 Wednesday
00h00
Até
31
Mar2020 Tuesday
00h00

MINDERICO

Alcanena
Artigo para a Revista da Associação de Solidariedade Social dos Professores, Lisboa. Publicação trimestral distribuída em todo o território nacional incluindo Madeira e Açores. Tiragem: 10500 exemplares.
Outro

Sinopse

MINDERICO  por  ZULMIRA BENTO

Minderico é a variante linguística dos habitantes de Minde, cujo uso remonta a finais do séc. XVII ou princípios do séc. XVIII.

A vila de Minde dista quinze km de Fátima e integra o concelho de Alcanena, distrito de Santarém.

Na sua origem, o Minderico revestia a forma de socioleto usado apenas pelo grupo ligado ao fabrico e comercialização das mantas de Minde. Astuto, o comerciante terá   ponderado as vantagens que um código secreto de linguagem traria aos seus negócios. Estes vendedores apresentavam-se em pequenos grupos nas feiras de Norte a Sul do país. No decorrer da transacção, travavam entre si um diálogo que ninguém mais entendia, sempre na mira de lucro folgado.

O carácter secreto representava a chave do sucesso.

Todavia, a partir de certa altura, quebraram-se as fronteiras do secretismo e este tipo de linguagem espraiou-se por todos os estratos sociais de Minde. Assim sendo, tornou-se necessário apetrechar o código inicial com novo vocabulário, de modo a contemplar todas as situações do dia a dia.

Foram vários os processos usados no alargamento lexical do Minderico, designadamente figuras de estilo, algumas das quais passo a referir.

Antroponímia: O nome da primeira pessoa a desempenhar um cargo ou profissão passava a designar a própria função.

Calado – farmacêutico

Engrácia – prostituta

Totta – médico.

Toponímia: O nome de determinada localidade passa a sinónimo do que lá se produz ou lá acontece.

Nazaré – banho

São João da Madeira – chapéu

Coimbra – vinte e três.

Metáfora: Faz-se a transposição do sentido de uma palavra para outra por semelhança, daí resultando acentuada expressividade.

Cinco pontas – lenço de assoar

Rodapé – bigode

Treme-terras – Deus.

Metonímia: Substituição de um termo por outro com o qual está em íntima relação.

Arraiolos, a de – lã

Celeireira – formiga

Sainona – homem amaricado

Ziguezague – cobra

Perífrase: Dizer em mais palavras o que pode ser dito em menos.

Jagodes com carutos – camelo (burro com bossas)

Soletra da doutrina – catecismo

Gradação: Disposição de palavras por ordem crescente ou decrescente.

Canteiro didi (pequeno) – freguesia

Canteiro – concelho

Canteiro ancho (grande) – distrito

Termos onomatopaicos: palavras imitativas que reproduzem sons.

Bate- bate – martelo

Pouca-terra – comboio

Tic-tac – coração

Referências de inspiração religiosa

Baden-Powell, o de – escuteiro

Chocalheiro – tremoço

Referências históricas, lendárias e literárias

Afonso Henriques – fundador

Camões, a do - pátria

Pregal da Joana – França

Xambel – telefone

Estrangeirismos

Palavras que o Minderico incorporou a partir de vocábulos estrangeiros.

Âmbria – fome (a partir do espanhol “hambre”).

Père/mère – pai/mãe (a partir do francês).

Naifa – faca (a partir do inglês “knife”).

 

Convido o leitor a apreciar a subtileza e a poesia dos seguintes vocábulos em Minderico:

A antes de o ser – pescada

Andarilho – automóvel

Bailadeira – nádega, saia, mosca

Bonzar-se - sacramentar-se

Cantista – cigarra

Choradeira – cebola

Deslizador – barco

Doida – mó

Filha da santinha – sopa

Madrinha do céu – lua

Manel das festas – domingo

Manhosa – raposa

Maria-dois – empregada doméstica

Pasmado – boi

Saltadora – pulga

Tira galfarros (piolhos) – pente

Zé azedo – vinagre.

 

Nota: Neste texto não foram observadas as normas do Novo Acordo Ortográfico.

PS: Sobre este assunto, o leitor interessado poderá consultar: BENTO, Zulmira, Aspectos Linguísticos da Freguesia de Minde, ed. Câmara Municipal de Alcanena, 2017.

Zulmira Bento